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Ricardo Dip: Registros sobre Registros #16

(Princípio da inscrição -Parte sexta)

118. Em sentido próprio, tem-se a eficácia registral repristinatória quando o cancelamento de uma inscrição negativa ressuscita o efeito jurídico do assento anteriormente por esta cancelado.

Ou seja, o suposto registral para a repristinação tabular stricto sensu é, por primeiro, o de um cancelamento de cancelamento, mas não cancelamento em todo seu gênero. Apenas o assento negativo que se fulmine de nulidade é que tem o resultado de repristinar a inscrição afligida pelo primeiro cancelamento.

Define-se, pois, a eficácia repristinatória de uma inscrição predial o revigoramento dessa inscrição em virtude do cancelamento, por nulidade, da averbação que haja antes, aparentemente, cancelado aquela inscrição.

119. Essa nulidade pode provir tanto (i) do título (nulidade material) que ancorou o cancelamento, quanto (ii) da própria averbação do cancelamento (nulidade formal), e, em ambos os casos, cabe aplicar a regra de que do nulo não resulta efeito algum: quod nullum est, effectum nullum producit.

Fora deste quadro de uma averbação de cancelamento de cancelamento por nulidade (material ou formal, não importa), inviável é cogitar de eficácia repristinatória da inscrição primeiramente cancelada (p.ex., o cancelamento de uma averbação negativa pode resultar de um acordo de vontades ou de mero exercício de consentimento formal do favorecido, sem que daí resulte repristinação do registro já fulminado pelo cancelamento).

120. As razões destes limites estreitos radicam, sobretudo, na segurança jurídica dinâmica −isto é, na proteção dos interesses do crédito e do tráfico imobiliário, que não podem ficar à mercê de alterações das quais não participem, em forma, os interessados.

121. Pode ainda cogitar-se de uma acepção imprópria de efeitos registrais repristinatórios, por exemplo, qual nos casos de renúncia translativa em favor de anterior alienante, de regresso ao status registral precedente por implemento de condição resolutiva, e, em geral, nas situações todas em que se cancelem os assentos dotados de eficácia canceladora indireta (assim, quando se registra, v.g., uma venda e compra, cancela-se indiretamente a legitimação dominial anterior; se por algo se cancelar este registro da referida venda, dá-se o restabelecimento da titularidade tabular antecedente).

122. O tema da eficácia prenotante (ou prenotativa) exigiria um tratado. A esse tema, de algum modo, vai ainda referir-se esta nossa série de artigos, adiante, quando se lançar ao exame do princípio da prioridade.

Por agora, contudo, podem avançar-se algumas linhas.

123. Para sumariar, saber que coisa é o efeito prenotante de uma inscrição consiste em estabelecer os consequentes da prenotação (isto é, do assento inscritivo no protocolo do registro).

A primeira das eficácias da prenotação é a de demarcar um direito posicional. Deste primeiro resultado da protocolização do título implica, ordinariamente, uma prioridade formal (ou, de procedimento), que é a de beneficiar o interessado com a primazia cronológica da qualificação registrária, vale dizer, que se proceda à apreciação e decisão de seu pleito registral antes dos pleitos que lhe sucedam no protocolo (nota bene: apreciação e decisão; aqui não se trata de execução do perseguido ato de registro).

124. Do direito posicional deriva ainda −mas já aqui sem caráter absoluto− a prioridade jurídica para (i) a inscrição e (ii) os efeitos substantivo e processual que resultem ou dependam do registro.

Este é o ponto de mais vultoso interesse a considerar nesta matéria da eficácia prenotante, até porque, no Brasil, tendemos a simplificar demasiadamente a fórmula prior in tempore, potior in iure.

Da só circunstância de haver um princípio da prioridade não advém, simpliciter, a prioridade deste princípio em completo detrimento de outros princípios registrais. Na metódica de atuação concorrente de vários princípios, parece inviável que a aplicação de um deles inabilite os demais. E, em especial, não se avista motivo algum sugestivo de que a eficácia prenotante constitua um entrave à atuação dos princípios da legalidade, do trato consecutivo (ou continuidade), da legitimação registral e da própria segurança jurídica.

125. Vejamos isto no quadro de um caso que emerge, no Brasil, em nossos tempos: o da impropriamente designada “usucapião extrajudicial”, a cujo propósito se lê na regulativa de regência: “O pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido” (§ 1º do art. 216-A da Lei n. 6.015/1973, com a redação do art. 1.071 do Código de Processo Civil de 2015).

Adotada que seja, de maneira absoluta, a prioridade jurídica para a inscrição objeto de um assento no protocolo, dá-se o reflexo de entorpecimento dos pleitos registrais correlativos posteriores (no âmbito substantivo, impedimento do motus da disponibilidade jurídica).

Ora bem, no plano dessa aludida “usucapião extrajudicial”, a paralisia nas registrações leva a que um mero pleito declarativo de (eventual) domínio do imóvel objeto suprima o exercício da disponibilidade por quem ostenta, segundo o próprio sistema do registro predial, o atributo da legitimação tabular. Por outro ângulo, impede-se a dinâmica do trato consecutivo, assinado no registro secundum legem, dando-se, pois, mais força a uma simples pretensão aquisitiva −que pode, ou não, ter êxito a final− do que aos predicados constituídos pela segurança jurídica formalizada.

126. Este equívoco deriva de considerar-se simpliciter o efeito da prioridade jurídica da inscrição (prior in tempore, potior in iure), tal que, erroneamente, essa prioridade se afirme em abstrato e com apoio segmentado na lista cronológica do protocolo.

A eficácia prenotante não se exaure no efeito da prioridade jurídica da inscrição. Já se viu que ela desfruta, por exemplo, uma demarcação posicional e a prioridade cronológica de qualificação. Além disto, ela frui sempre da função de publicidade-notícia, e pode dar-se o caso de que essa fruição −a da notícia− seja a única ou a principal finalidade almejada com um dado protocolo.

Se, pois, a prenotação visa, só ou principalmente, a dar notícia de um fato, ato ou negócio jurídica, ela já opera seus efeitos, com plenitude, já mediante o lançamento no protocolo, observada sua publicidade correspondente. De sorte que, nesta situação, nenhum é o motivo para inferir, do só protocolo, o entorpecimento dos registros posteriores, coisa que sequer do assentamento na matrícula poderia resultar (p.ex., o registro de uma citação em demanda reipersecutória não importa, ipso facto, no entrave de registros posteriores; por que, então, a mera indicação no protocolo de uma publicidade-notícia produziria um efeito que seu registro definitivo, na matrícula, não estaria habilitado a produzir? Anote-se, neste passo, a interessante opinião do Registrador paulista Ricardo Nahat, no sentido de que se averbe, na matrícula, a notícia da demanda extrajudicial de usucapião, fórmula com que se observaria a extensão jurídica do protocolo −tal o impera o § 1º do art. 216-A da Lei n. 6.015−, sem a paralisação do tráfico imobiliário correspondente).

Por outro aspecto, os efeitos da inscrição no protocolo não podem estimar-se com inteira abstração dos demais livros registrários. O princípio consagrado no aforismo prior in tempore, potior in iure não é apanágio do livro do protocolo; se há alguém que possua uma consolidada prioridade no tempo e, deste modo, um melhor status jurídico é exatamente o legitimado registral. Não parece razoável, de conseguinte, que o titular inscrito seja obstado no exercício do atributo da disponibilidade só à conta de que haja −fora da linha formalmente regular da continuidade− um pretendente a obter declaração de direito imobiliário constituído à margem do sistema formalizado de aquisição e oneração prediais.

A usucapião é a derradeira fórmula evasiva da probatio diabolica, e não um meio aquisitivo ordinariamente concursal do sistema formalizado de aquisição e oneração prediais.

127. O efeito prenotante do pleito da usucapião (dita) extrajudicial, de resto, garante que, uma vez se reconheça o direito objeto da prescrição aquisitiva, os títulos correlatos prenotados de modo póstero ao desse apontado pleito não tenham eficácia contra o prescribente.

Isto põe à mostra a inutilidade de impor uma eficácia supressiva do trato consecutivo regular, no caso da usucapião, na medida em que, como se referiu, contra o prescribente (ou quem o suceda) não têm eficácia os títulos que forem levados ao protocolo com posterioridade ao do requerimento da aquisição prescritiva.

Ademais, eventual entorpecimento registral com o só pedido de usucapião levaria ao risco manifesto de fraudes e da chamada vindicta contra tabulam.