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Ricardo Dip: Registros sobre Registros #02

6. Desde que o conceito de “princípio”, tal o adotamos (vide “Registros sobre Registros” n. 1), não seja recortado ideologicamente pela contemporânea proposta positivista que o toma ao modo de uma, de fato, pouco menos que arbitrária “norma elástica”, terminaremos em concluir que a célebre paramétrica divisão dos princípios hipotecários (ou registrais) elencados por Jerónimo González ficou decerto a meio caminho do muito que pode incluir-se neste âmbito principiológico do Direito registral.

7. Para já, há um complicador evidente: o termo “direito” é análogo, e, desta maneira, suplantado o espartilho ideológico do normativismo, ter-se-ia de relacionar a noção de princípio ao direito dos registros enquanto (i) res iusta registral (ou res certa), (ii) norma registrária, (iii) faculdade de agir registral, (iv) ciência dos registros e (v) fato social registrário.

Isto projeta um campo muito amplo de considerações: não nos esqueçamos, com efeito, que, segundo o conceito aqui perfilhado, “princípio” é aquilo de que, de qualquer modo que seja, uma coisa procede. Teríamos, pois, de pensar, neste domínio registrário, nos princípios como causa, condição e ocasião da coisa justa registral, da normativa registrária, da faculdade de agir nos registros etc., e tudo isto ainda sob a tríplice perspectiva do entitativo, do prático e do gnosiológico.

8. Retrocedendo agora um tanto as vistas, ter-se-ia a impressão de que a linha nuclear desenvolvida por Jerónimo González, em seu justamente celebrado Principios hipotecarios (1931), tenha sido bastante mais estreita, na medida em que confessadamente este autor afirmou reduzirem-se os princípios a uma abstração apreensiva de “orientaciones generales o direcciones fundamentales” recolhidas de “grupos de preceptos de derecho privado”. Ou seja, sua base de recrutamento foi expressamente e apenas a norma posta.

Não por esta proclamada restrição ideológica, entretanto, deixa de ter importância universal a classificação jeronimense, ainda que possa ela ampliar-se em muito.

É que, embora partindo de uma apontada base particular −“grupos de preceptos”− para alçar seus “princípios” (“orientaciones generales”) ao plano de um saber científico −vale dizer, saber universal, porque não há ciência do particular−, calha que essa base normativa de origem não era verdadeiramente particular, senão que se integrava já no domínio do ius gentium. Com efeito, os princípios arrolados por Jerónimo González respondiam a gerações perseverantes no tempo, gerações que, ao patrimônio da natureza das coisas, fizeram agregar, depurar e aprofundar características que se consagraram à maneira de uma tradição inerente à essência dos registros: caberia mesmo falar-se, com rigor, de uma conaturalidade histórica entre certos princípios e a realidade da instituição registral.

9. É por meio dessa permanência no desenvolvimento histórico que se permitirá distinguir, de um lado, os (i) princípios registrários institucionais −ou supranormativos (princípios anteriores e superiores ao ordenamento normativo posto; em outras palavras, são princípios que orientam a própria instituição normativa; assim, quando menos, o da segurança jurídica e o da independência da qualificação registrária; mas não estaria mal incluir ainda o da inscrição e o da publicidade)−, princípios supranormativos sem os quais não se poderá caracterizar um registro público, e, de outro, (ii) os princípios registrais endonormativos (que consistem em abstrações ou deduções a partir da ordem normativa posta; princípios, pois, extraídos da lei da mera política humana, sem valor universal, embora possam consistir em direções relevantes para a praxis e a técnica registrárias; p.ex., a do fólio real, o ultimamente designado, como suposta novidade de turno, “princípio da concentração”, etc.).

Categoria expressiva intermédia ocupam os princípios registrais transnormativos (são estes os mesmos princípios supranormativos que, por ato do legislador, passam a expressar-se no ordenamento normativo particular). Assinale-se o caráter apenas expressional da classificação dos princípios transnormativos, porque eles são realmente institucionais, mas o legislador os recolhe e exprime, ao modo verdadeiramente recognoscitivo, e eles passam a integrar a norma posta, sem, com isto, por evidente, decair de seu status natural ou histórico (um exemplo: a independência jurídica do registrador é um princípio supranormativo, institucional, que, no entanto, foi reconhecido de maneira explícita na Lei brasileira n. 8.935/1994, de 18-11, em seu art. 28: “Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições…”).

10. Importa sublinhar que a circunstância de um princípio supranormativo do registro ingressar na esfera normativa expressa não sinaliza possível mudança de seu caráter, de modo que um princípio institucional dos registros não pode ser afastado ou revogado por lei ou decisão judiciária sob pena de maltratar-se a onticidade mesma da instituição.

Diversamente, a escolha e positivação particular de alguns (tidos por) princípios registrais que, à partida, são elegíveis (p.ex. de transcrição, de extratação, de fólio pessoal, de fólio real), é livre, porque, em abstrato, essa escolha é indiferente para a caracterização essencial da instituição registrária, sujeitando-se a eleição ao modo possibilístico e, em boa e esperançosa hipótese, à realidade histórica e circundante.

11. Feitas estas breves indicações preliminares, versaremos, em nosso próximo artigo da série “Registros sobre Registros”, sobre o número dos princípios hipotecários e iniciaremos o exame do princípio da segurança jurídica.

Continuaremos, pois, Deo volente.