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Ricardo Dip: Registros sobre Registros #04

19. A segurança jurídica é a finalidade dos registros públicos, realidade que, pois, sub modo intencional, tem o primado de iluminar e orientar os meios da ação da entidade registral e de dar consistente permanência a seu resultado.

A segurança jurídica dá completeza ao registro, é sua perfeição (ou enteléquia): exatamente por sua relevante função iluminativa e condutora das práticas registrais, a segurança jurídica não opera sobre um ou mais aspectos isolados do registro, mas, isto sim, atua sobre cada registro integralmente −seja em seu processo (in itinere), seja em seu termo (in facto esse)− influindo-o, dinamicamente, enquanto registro em curso, e concluindo-o de modo perfectivo (coisa acabada, ultimada −res effecta).

Daí o acerto da afirmação corrente de que todo o registro e cada registro sejam coisas juridicamente certas −res iure certæ: em seu aspecto processual, na medida em que são coisas nas quais se dá fiel observância da lei −res observans legis; em seu aspecto conclusivo ou de objeto terminativo, porque são coisas juridicamente estabilizadas −res iure solidæ sive stabilis.

20. Em outros termos, a segurança jurídica influi nos registros públicos tanto sobre a dinâmica de sua operação (res in fieri), quanto sobre os resultados correspondentes (res aliquæ): há de ser segurança nos meios e segurança final. Isto implica a persistência do influxo da finalidade em todos os atos do processo registral, desde a recepção dos títulos (onde se põe o problema da “prioridade de fato” −na linguagem de Pelayo Hore, a angústia de “encontrar um táxi a tempo”), passando pelo desfecho da inscrição, e, a partir daí, projetando-se −com efeitos extrarregistrários− para o futuro, até eventual regular alteração.

21. Mas que é a segurança jurídica e, de modo específico, a segurança jurídica do registro imobiliário?

Quais aspectos dela devem levar-se em conta de maneira especial na atividade registrária relativa a imóveis?

Com quais outros fatores a segurança jurídica no registro predial deve relacionar-se para cumprir seu papel comunitário?

E, por derradeiro, como se articulam entre si a res certa e a res iusta?

22. Neste pequeno artigo versaremos sobre a primeira destas indagações e ainda sobre parte da segunda delas.

A segurança jurídica em geral, definiu-a Joseph Thomas Delos por seu aspecto de garantia −ao modo, pois, de um objeto terminativo: “a garantia dada ao indivíduo de que sua pessoa, seus bens e seus direitos não serão objeto de ataques violentos, ou de que, se esses ataques vierem a produzir-se, a sociedade lhe assegurará proteção e reparação” (texto original: “En son sens le plus général, la sécurité est la garantie donnée à l’individu que sa personne, ses biens et ses droits ne seront pas l’objet d’attaques violentes ou que, si celles-ci viennent à se produire, protection et réparation lui seront assurées par la société”).

Nessa mesma linha, Victor Ehrenberg assinalou que o suposto inaugural da segurança jurídica, em todo seu gênero, está em que “a existência e o conteúdo do direito não podem ser questionados”, sem auscultar-se a vontade de seu titular, e isto por uma exigência objetiva: a da “regularidade estrutural e funcional do sistema jurídico” (Pérez Luño).

Quanto ao registro imobiliário, a segurança jurídica, especificamente, entretanto, opera mesmo antes da garantia terminativa, influenciando na via formativa em cada ato ou estádio do processo de inscrição −securitas in itinere secundum leges−, sem prejuízo de conferir o efeito geral de garantia próprio do gênero da segurança jurídica.

23. Há, quando menos, seis aspectos que, parece, atraem mais detida consideração no que concerne à segurança jurídica na atividade do registro predial:

(i) o da pessoa a quem se destina a segurança;

(ii) o do objeto sobre o qual atua, ordenadamente, a finalidade assecuratória;

(iii) o status de consecução objetiva e de possessão subjetiva rei effectæ (é dizer, do registro realizado);

(iv) o primado do caráter estático da segurança jurídica registral;

(v) a relevância, ainda que secundária, de um caráter dinâmico da segurança registral;

(vi) a relação entre a segurança e a certeza jurídicas.

24. A quem se destina a segurança dos registros prediais? (Aqui se discute sobre o finis cui do registro imobiliário).

Os fins podem sobrepor-se. Uns são próximos, outros remotos, e na efetivação destes últimos aqueles se conduzem sob o modo de meios, ordenando-se todos a um fim derradeiro na ordem temporal, que é o bem comum terreno.

Neste sentido (e, pois, abdicando aqui da discussão sobre o Bem comum sobrenatural), a segurança dos registros públicos visa, no fim e ao cabo, ao bem de toda a comunidade política. E não faltaria que, com maior abstração, pudesse mesmo cogitar-se de que essa segurança é um bem de toda a humanidade.

Todavia, certo que a comunidade política é uma sociedade de sociedades, a segurança registral também se destina aos grupos intermediários entre o indivíduo e o Estado (família, universidade, associações profissionais, clubes etc.).

Diretamente, contudo, é dizer, de modo imediato, a segurança registrária ordena-se à satisfação do interesse estático do titular inscrito (legitimado registral) e, ainda que em menor gradação, à do interesse dinâmico dos que se voltem ao tráfico imobiliário (aquisição de direitos, confiados no registro) e ao crédito secundum tabulam.

Dessa maneira, o finis cui do registro público imobiliário é bastante amplo, abrangendo (i) toda a sociedade política, (ii) comunidades intermédias, (iii) a pessoa do titular registral e(iv) os que almejem adquirir a res objeto do registro ou operar creditoriamente a seu respeito.

25. Qual é o objeto sobre o qual atua a segurança jurídica no registro imobiliário?

Se tomarmos o termo “objeto” no sentido de coisa (aquilo que não é pessoa), a segurança jurídica no registro predial abarcará, principalmente, um imóvel (em geral, por natureza) e, secundariamente, títulos e direitos (desde que estes não se considerem sob o aspecto relacional).

Mas, em rigor, o finis qui do registro (aquilo que é desejado pelo registro) tem de relacionar o objeto-coisa com alguma pessoa, inscrevendo-se, pois, algo (titulus) que implicará um liame entre um imóvel e um sujeito (pessoa). Não percamos de vista, com efeito, que a publicidade registral concerne a um status jurídico, e, seja ele estado pessoal ou estado real, demanda sempre a referência a uma pessoa (um ente que não é coisa, vale dizer, com a definição de pessoa tão bem formulada por Boécio: “substância individual de natureza racional”).

Assim, o finis qui do registro predial abrange imóveis, pessoas e títulos jurídicos, o que explica e justifica as exigências de determinação e especialidade tabulares objetiva (ou, da base imobiliária), subjetiva e do fato inscritível, meios para a consecução da segurança jurídica.

Prosseguiremos.